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A Deusa da Retribuição, prestes a punir o ladrão que atacara uma vítima ao fundo. Por Alfred Rethel. |
Conta a antiga mitologia grega, que o mundo dos deuses e dos homens era resguardado por duas belas e poderosas irmãs: De um lado Têmis, a deusa da justiça, da moral, da ordem e dos procedimentos ritualísticos. Zelava pelo cumprimento das Leis e os procedimentos, guardava os juramentos, estimulava o respeito à moral e a vida de acordo com os preceitos éticos mais elevados. Tão nobre era sua dignidade, que os deuses a ela confiavam a condução e o cerimonial de todas as suas reuniões no Olimpo. E era ela também, que por suas nobres virtudes, era sempre chamada para apartar as brigas e discussões entre os deuses ou entre os homens. Sua palavra era a Justiça, e aquele que a venerava e a respeitava receberia dela suas devidas, bênçãos e favores, tendo um vida prospera, de muito respeito e dignidade...
Mas poucos eram, já naquela época, os homens honrados que lhe pagavam o devido tributo...
A grande maioria deles não conseguia se manter afeita as regras éticas, tradições morais, leis e procedimentos desta deidade, e pouco a pouco iam se deixando possuir por aquele que era o único pecado para os gregos antigos: A Desmesura ( ou Hybris em grego).
Para os antigos, o pecado não era ceder aos desejos da mente ou ceder aos desejos da carne. Não eram nem a luxúria, nem a riqueza, nem a gula, ou embriaguez os maiores males do espírito. O Mal mesmo era você se ver vítima da Desmedida, e assim, ser vítima da ambição de romper a ordem do mundo, tentando superar ou igualar aquilo que por natureza era muito maior e mais poderoso que você mesmo, seja para se igualar aos deuses, seja para romper com as leis da natureza, seja para dominar o mundo e submeter a todos a sua única e exclusiva vontade...
Todos aqueles que nestas ambição em se tornarem maiores que o mundo, que inflaram o ego a ponto de achar que era de alguma forma maiores ou mais especiais que o restante dos mortais ou os deuses, todos estes fracassaram e sofreram o devido castigo. Foi assim com Sísifo, foi assim com Prometeu, foi assim com Tântalo...
Aqueles que se julgam maiores que os outros, ufanavam a si mesmos e deixam a desmesura lhe subir a a cabeça estão fadados a se encontrar, mais cedo ou mais tarde com a segunda daquelas belas e poderosas irmãs: Nêmesis, a deusa da Retribuição.
Enquanto a primeira irmã se esforçava por manter a justiça do mundo, a segunda era aquela que devolvia este equilíbrio, se ele por acaso fosse rompido. Ela era, por assim dizer, a vingança de Têmis... Nêmesis tinha igual porte e beleza que sua irmã, mas no que sua doce irmã inspirava em respeito e dignidade, Nêmesis inspirava em temor, poder e fatalidade.
Pois isso era sabido: Sua divina espada era certeira, e dela homem nenhum poderia escapar se tivesse cometido o pecado de tentar romper o equilíbrio do mundo, e em cega desmesura, se tornado vítima da ambição desmedida e vontade de roubar para si o poder que não lhe cabia por natureza própria...
Nêmesis também era considerada uma deusa da justiça, mas a de outro tipo, a retributiva. Toda vez que um homem subisse muito alto ela lhe cortava as asas, e todas as vezes que o mesmo homem se pusesse abaixo do que lhe devia, ela o forçava a subir.
Ladrões de toda ordem a encontravam em plena fúria mortal, pois deles solicitava aquilo que injustamente tomaram. Déspotas de todo tipo a encontram quando a dor que impuseram aos outros, revertia para seu sofrimento final e tornava claro que já estavam em plena loucura e decadência. Além dos supostos Heróis que visitou lhes levando a morte inesperada e trágica, falsos heróis estes que em busca da glória eterna deixavam a virtude de lado, e se puseram a ser apenas guerreiros temerários e abusados, sem nenhuma coragem real ou honradez....
Nêmesis era aquela que resguardava o equilíbrio da justiça, punia aquele que se deixava vitimar pela desmesura ou ambição desenfreada, e tinha sua ação consolidada no seguinte adágio, que era como o enunciado de sua vingança:
"Tudo que se eleva acima da sua condição, tanto no bem quanto no mal, expõe-se a represálias dos deuses. Tende, com efeito, a subverter a ordem do mundo, a pôr em perigo o equilíbrio universal e, por isso, tem de ser castigado, se se pretende que o universo se mantenha como é."
Aos homens, cabe portanto escolher qual das duas deusas honrar. Se com equilíbrio e serenidade honrarem a a Lei e a equidade, estarão no braços de Têmis. Se contudo, entregues a desmesura e ambição, tomarem para si o poder que não lhes cabe, encontrarão a sua frente a inevitável fúria de Nêmesis...
Se por acaso olhássemos para o Brasil de hoje, o que veríamos? Onde poderosos ricos, senadores, governantes e ex-presidentes, numa grande ilusão de poder, se consideram maiores e mais sábios que a nação, e tomam para si o recursos e meios do Estado, tentando fazer seu algo que por natureza é muitíssimo maior que eles, ou seja, o País e suas riquezas, que deusa acaso irão encontrar a sua frente, senão aquela que lhes brandirá uma espada e lhe mostrará o caminho da retribuição punitiva? Certamente Nêmesis os tratará como trata todos os ladrões...
Contudo, destino diferente não terão aqueles outros, os agentes da lei, juízes e procuradores, que cegos pela sua desmesura, decidiram virar as costas àquela outra deusa, a guardiã das Leis e dos procedimentos, e se julgando mais sábios e poderosos que ela, por si mesmos decidiram reinterpretar e subverter toda a ordem jurídica, desrespeitando os mais básicos dos direitos individuais e garantias constitucionais?
A estes, que também viraram as costas a Têmis em sua ambição legal, sua irmã Nêmesis logo irá visitar, e vendo neles o despotismo exagerado, lhes mostrará que acima de qualquer arroubo de moralismo legal, haverá uma Justiça sempre maior e que lhes transcende por mais ambiciosos que sejam suas pretensões corretivas... Certamente a estes a deusa da vingana os olhará como olha aos tiranos de qualquer tipo...
Ao fim, todos serão iguais perante esta divina justiça, o equilibro ressurgirá, pois ambas serão homenageadas a sua forma: De um lado o respeito à Lei e a Moral, de outro, o castigo por esquecer que maior que estas é sempre a Justiça e a Equidade...E por um breve período as deusas encontrarão a a paz, até que no coração dos homens o respeito e a dignidade voltem a ceder espaço a Hybris, a louca e desmedida vontade de corromper a divina ordem, a moral e o direito, e a sua desequilibrada ambição traga de volta sua própria destruição....
Por Daniel Antoine Abou Jaoudé
(danieljaoude@hotmail.com)